quinta-feira, 16 de outubro de 2014

INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE DADOS NAS PESQUISAS QUALITATIVAS - UMA REFLEXÃO PRÁTICA





 


Cursos de Graduação







ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA O TRATAMENTO ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS QUALITATIVOS
Gildo João Manuel












 
MAPUTO, OUTUBRO DE 2014
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
FICHA TÉCNICA
Título:
Orientações Práticas para o Tratamento Análise e Interpretação de Dados Qualitativos

Autor:
Gildo João Manuel

Edição
1ª Edição
Concepção e Maquete:
CPT - ISMMA – Departamento de Publicações
Compilação
Gildo João Manuel
Tiragem:
5 Exemplares
Maputo, Moçambique

2014















INSTITUTO SUPERIOR MARIA MÃE DE ÁFRICA
ISMMA
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INSTITUTO SUPERIOR MARIA MÃE DE ÁFRICA



                                                                                          

Orientações Práticas Para o Tratamento Análise e Interpretação de Dados Qualitativos


Elaborado por: Gildo João Manuel

Aprovado pelo Conselho Científico













                                             MAPUTO, OUTUBRO DE 2014



 

Índice













 



INTRODUÇÃO


O Instituto Superior Maria  Mãe de África (ISMMA) tem como um dos requisitos para a conclusão dos cursos de graduação, a elaboração duma monografia por parte do candidato a este nível. Sendo que os cursos que ISMMA oferece, estão inseridos no campo das ciências sociais e humanas facto este, que faz com que os instrumentos para as pesquisas efectuadas neste campo devem ser bem aprimoradas para se evitar a subjectividade, porque não se usam instrumentos universalmente aceites para recolha de dados como termómetro, barómetros, bússula dentre outros, mas sim entrevistas, observações.

Nas interacções de acessorias tidas com os estudantes e durante a leccionação da cadeira de Metodologia de Investigação Científica 2 (MIC II), notou-se que alguns estudantes enfrentam dificuldades concernentes ao alinhamento da natureza da pesquisa com os instrumentos de recolha e análise dos dados no campo. Por esta razão, achou-se pertinente elaborar um instrumento operacional para o tratamento e análise dos dados qualitativos, seguindo alguns modelos que o manual de metodologia do ISMMA avança.

O objectivo principal deste documento é uniformizar a metodologia de orientação aos estudantes na elaboração das pesquisas, mas também transformar de forma operacinal os modelos de análise e tratamento de dados do manual de metodologia do ISMMA.
Para elaboração deste instrumento, recorreu-se à consulta de várias obras, das experiências adquiridas nas interacções tidas na área de investigação científica.

A pesquisa qualitativa tem uma grande particularidade, comparando com outras abordagens de pesquisa. Esta lida-se com valores, sentimentos, percepções, temperamentos. Estes fenómenos sociais não são todos quantificáveis, nem mensuráveis, mas qualificáveis através da atribuição de categorias: “as classes e categorias são sugeridas ou descobertas indutivamente a partir dos dados. O trabalho é, pois, muito mais inovador, na medida em que o analista tem de descobrir as categorias pertinentes a partir das quais é possivel descrever e compreender a realidade observada” (Digneffe et all, 1997, p.120) .
Entretanto Richardson (2009), advoga que as pesquisas qualitativas são utilizadas em situações complexas ou particulares e buscam descrever essa complexidade, analisar a interacção de certas variáveis, compreender os processos dinâmicos de grupos sociais e contribuir com a mudança de determinado grupo. Assim, pode-se estudar grupos dos quais se dispõe de poucas informações. 


1. INSTRUMENTOS DE RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS


Na pesquisa de natureza qualitativa encontram-se vários instrumentos de recolha de dados a saber: grelha de observações, questionários de perguntas abertas, entrevistas, leituras de documentos (literatura, relatórios, jornais...) para  produção de fichas de leitura, fotografias entre outros (Matusse, 2013).
Portanto, para tratamento, análise e interpretação dos dados recolhidos através destes instrumentos, excluindo as fichas de leitura e as fotografias, o investigador deve estar bem familiarizado com o assunto em causa, pois, deve criar categorias das constatações feitas.

A criação de categorias não é uma tarefa fácil; uma vez que o pesquisador é o principal instrumento de investigação, é ele que faz a interpretação dos dados de uma maneira holística, ou seja, ampla. Na óptica de Gil (2008) as categorias devem ser:
-       Pertinentes;
-       Não serem numerosas, pois a finalidade é reduzir o mais possível que seja o número das categorias;
-       Precisas (deixar transparecer a mensagem, e colocar as unidades de análise);
-       Mutuamente exclusivas.

Neste documento, apresentam-se apenas alguns exemplos para a análise e tratamento de dados qualitativos (questionários de perguntas abertas e observações). Escolheram-se estes dois instrumentos por serem mais abragentes e por se acreditar que quem consegue ter domínio destes estará apto para usar os outros instrumentos da natureza qualitativa.


1.1. Tratamento  e análise de dados das observações

A observação é um exame minucioso e atento sobre um fenómeno no seu todo, é a captação precisa do objecto no seu todo para ser examinado. Ela não está restrita apenas no que vemos mas inclui todos os nossos sentidos.
Por isso, deve-se observar de maneira aberta para que se possa questionar sobre o quê, porquê e como são os fenómenos. O pesquisador deve fazer uma pergunta baseada na observação do fenómeno (fruto do problema de pesquisa) que possa contribuir para a compreensão da natureza do fenómeno e criar bases de uma ciência aplicada, tendo sempre como perguntas: Como; o que e quando?
Sendo que a observação a ser feita visa a recolha de informações para um trabalho científico, ela deve ser sistematicamente planificada e submetida à verificação e controle de validade e precisão (Gil, 2008).
O pesquisador deve assumir a confidencialidade dos resultados obtidos, excepto se algum acordo em sentido contrário foi estabelecido com os participantes. As referências aos dados da investigação em reuniões científicas, em aulas ou em publicações não podem, em caso algum, colocar em causa a confidencialidade dos resultados.
O pesquisador tem a responsabilidade de fazer uma avaliação cuidadosa da aceitabilidade ética do seu estudo antes de iniciar a pesquisa. O investigador deve, assim, evitar estudos que ponham em causa os direitos dos participantes.

Para o tratamento dos dados recolhidos da observação, poderá usar vários modelos. Aqui propõe-se que se siga os modelos que o manual de metodologia do ISMMA avança. Neste caso, aqui coloca-se um exemplo de como tratar esses dados inspirando-se no modelo de Fielding.

 

1. 1.1. Tratamento e análise usando o modelo de Fielding

Este modelo preconiza que o tratamento e análise e interpretação dos dados deve seguir a seguinte orientação:
- Transcrição das anotações de recolha de dados, neste caso concreto tratando-se das observações, o pesquisador vai anotando como o fenómeno ocorre de forma real no terreno e sem interferência (anota o que vê).
- Procuram-se às categorias. O pesquisador nesta fase senta e analisa as frequências da manifestação do fenómeno observado, faz inferências e cria categorias específicas.
- Destaque e selecção dos dados, elaboração de esquemas de análise. Tendo já as categorias deve fazer um agrupamento de tal forma que consiga ter poucas categorias objectivas e precisas que explicam o fenómeno observado.

1.1.2. Exemplo duma interpretação e análise das observações seguindo o modelo de Fielding

O pesquisador pretende recolher, tratar e analisar dados de uma observação numa das avenidas da cidade de Maputo para identificar e categorizar as causas do congestionamento.
Antes de se deslocar ao terreno terá que preparar o material que irá usar, e neste caso concreto cria uma planilha para registar as constatações, isto é, uma grelha de observação sobre o fenómeno de congestionamento, tentando identificar as causas. Para tornar fácil o trabalho, deve estruturar o seu raciocínio da seguinte forma:
Base de dados para o diário das observações
O que se pretende observar
Frequência
Inferência
1º, 2º, 3º, dias
1ª, 2ª, 3ª, 4ª semanas
1º, 2º, 3º, 4º meses
Causas de Congestionamento na cidade de Maputo
Avaria de semáfros
Estradas esburacadas
Estradas esburacadas
O congestionamento deve-se à avarias de semáfros e o péssimo estado das estradas

Legenda:
1- O que se pretende observar: que é fruto do problema, das perguntas de pesquisa formuladas, das hipóteses de pesquisa levantadas.
2- Frequência: que é o número de vezes em que o fenómeno observado se manifestou.
3- Inferências: que são conclusão parciais a que se chegou depois de ler a frequência de um determinado fenómeno.
N.B: É importante que a observação de um determinado fenómeno seja feita pelo menos três vezes obedecendo um intervalo de uma semana em cada observação pois, só assim, poderá garantir a fiabilidade dos dados obtidos neste processo.
Para fazer as inferências é imperioso que se observe a frequência do fenómeno em causa foi se manifestando, não se pode apenas basear em fenómenos esporádicos, mas sim aqueles que se apresentaram de forma consiste.


Tendo terminado esta fase o pesquisador cria uma tabela académica científica definitiva que irá constar no seu relatório de pesquisa, a mesma é fruto da base de dados criada, mas esta comporta as seguintes particularidades:
1- O que se pretende observar: que é fruto do problema, das perguntas de pesquisa formuladas, das hipóteses de pesquisa levantadas.
2- Categorias: estas, são extraídas a partir das inferências avançadas.
3- Exemplos: estes explicam a manifestação da categoria e são obtidos através da leitura das frequências registadas.

Tabela 1.1.2. Grelha das observações sobre as causas do congestionamento na cidade de Maputo

PERGUNTA
CATEGORIA
EXEMPLOS
FREQUÊNCIA
Causas do congestionamento na cidade de Maputo
C1. Avarias dos semáforos;
Há poucos semáforos operacionais
4 semanas
C2. Vias de acesso
Falta de vias alternativas e existência de muitos buracos nas estradas
8 semanas












2. TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS DE PERGUNTAS ABERTAS


Ao falar de dados qualitativos faz-se referência também, aos dados recolhidos através de questionários de perguntas abertas aplicados aos intervenientes da pesquisa em forma de entrevistas, respondidos oralmente ou por escrito. Para a análise e tratamento de dados escolheu-se dois modelos à saber:
1. Modelo de Laville e Dionne (1999).
2. Modelo de Fielding (1993).

2. 1. Tratamento e análise usando o Modelo de Laville e Dionne

Este modelo oferece a seguinte orientação para o tratamento, análise e interpretação dos dados:
- Leitura: esta tem a ver com a familiarização com os dados.
- Descrição: esta destina-se ao exame profundo dos dados, uma vez feita uma descrição em detalhes do assunto.
- Classificação: está ligada à categorização e ao agrupamento dos dados por assuntos ou temas.
- Interpretação: está ligada à síntese dos dados, organizada em forma de conclusões gerais.


N.B: Reparem que ambos modelos começam por codificar as folhas das respostas dos entrevistados e categoriza as respostas dadas e culmina com a análise e interpretação.

*      Por exemplo:
Uma pergunta de um questionário colocada a vários respondentes:
- Na sua opinião quais são as causas do congestionamento do tráfego na cidade de Maputo?
Exemplo das possíveis respostas
1. Existem poucas vias de acesso;
2. A cidade tem muitos carros;
3. Existem poucas estradas e muitos buracos;
4. Regista-se avarias frequentes de carros na via pública.

2.2. Exemplo duma interpretação e análise de respostas seguindo o modelo de Laville e Dionne (1999)

Este modelo preconiza os seguintes passos:
1º Leitura – o pesquisador terá que ler as respostas dos seus respondentes, provenientes dos questionários, este processo culmina coma codificação que é a enumeração de cada folha no canto superior direito;
2º Descrição – nesta fase o pesquisador terá que pegar numa folha A4 desenhar uma base que poderá ser considerada como Base de Dados das respostas (dados brutos), eis o exemplo:
Expressão-chave
Componentes explicativas
Frequência
Nº de identificação
Acesso
Poucas estradas transitáveis
//
1,3.
Disponibilidade
Poucos carros,
Avarias constantes
//
2,4.

Legenda
  1. Expressão-chave: ideia central da resposta dada
  2. Componentes explicativas: como essa ideia se manifesta
  3. Frequência: número de vezes em que a resposta é repetida
  4. Nº de identificação:  este é extraído da folha de cada resposta dada

3º Classificação – nesta fase o pesquisador atribui categorias e exemplos explicativos das mesmas para tal, deve recorrer a expressão-chave e componente explicativa contida na base de dados. (Vide tabela acima).

Para uma boa categorização terá que agrupar e aglutinar as expressões-chave similares e sinonímicas para garantir que tenha poucas categorias objectivas e concisas no máximo três (C1, C2, C3). Sendo que as categorias não devem ser numerosas é imperioso que se faça uma análise crítica que possa possibilitar a separação e agrupamento das categorias antónimas e sinónimas respectivamente.
Feito isso o pesquisador cria uma tabela académica científica definitiva que irá constar no seu relatório de pesquisa, a mesma é fruto da base de dados criada mas com as seguintes particularidades:

Tabela 2.2. As causas do congestionamento na cidade de Maputo


PERGUNTA
CATEGORIA
EXEMPLOS
FREQUÊNCIA
PERCENTAGEM
Nº IDENTIFICAÇÃO
P. 1
C1. Vias de acesso
Poucas estradas transitáveis
//
2/74=0,02
1,3
C2. Disponibilidade dos carros
Tem muitos carros na estradas e as vezes ocorrem avarias o que obstrui o trânsito
//
 2/74=0,02
2,4



2. 3. Tratamento e análise usando o Modelo de Fielding

Este modelo oferece a seguinte orientação para o tratamento, análise e interpretação dos dados::
1º Transcrição das anotações de recolha de dados;
2º Procura-se às categorias;
3º Destaque e selecção dos dados, elaboração de esquemas de análise.
Aqui chama-se a atenção para observar as fases deste modelo e a criação das tabelas sua interpretação coincide com a do modelo de Laville e Dionne.







3. PASSOS PARA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DAS TABELAS CRIADAS


É importante que se faça a leitura das tabelas de forma descritiva pois, o grupo alvo da pesquisa é heterogéno, isto é, tem aqueles leitores que gostam de ler apenas tabelas e chegar a uma conclusão, outros gostam de ler o texto e outros aindam leiem as tabelas e textos.
As tabelas devem ser precedidas ou seguidas de uma análise ou seja, não deve aparecer soltas num trabalho científico e, se não tiver algo a dizer, melhor inseri-las nos apêndices.
Todas as tabelas devem ter moldura, sem traços verticais que a delimitem à esquerda e à direita, e com o mínimo de 3 espaços horizontais para estruturar os dados numéricos, separando o topo, o cabeçalho e o rodapé (Gil, 1999).
Todas as tabelas devem ter título inscrito no topo, para indicar a sua natureza este deve ser precedido da palavra Tabela, seguido de número de identificação subordinado ao capítulo, tópico ou secções do documento em causa.

Recomenda-se também que as tabelas de uma publicação científica apresentem uniformidade gráfica, como, por exemplo, no corpo e tipo de letra, no uso de maiúsculas e minúsculas e nos sinais gráficos utilizados. Uma opção seria a configuração gráfica do título e da fonte com espaço simples e letra tamanho 11, quando o trabalho utiliza letras com tamanho 12.

Tendo já as tabelas das respostas categorizadas, procede-se com a análise e interpretação destas obedecendo a seguinte sequência:
Faz-se uma introdução sobre a questão colocada, destacando o objectivo da mesma;
Coloca-se os tipos de categorias surgidas;
Analisa-se as categorias, estabelecendo esquemas de comparações;
Cruza-se com a literatura;
Avança-se com conclusões parciais.

 


CONCLUSÃO

As pesquisas em ciências sociais são muito complexas pois os instrumentos de recolha e análise de dados são da criação do pesquisador, isso pressupõe que este declare ao longo da sua pesquisa como vai garantir a validade e a fiabilidade, quer dos instrumentos, quer dos dados recolhidos.
Este instrumento aqui apresentado é uma das visões para a análise e interpretação des dados qualitativos e destina-se especialmente aos estudantes do ISMMA, pois constitui instrumento de trabalho nas aulas de Metodologia de Investigação Científica II e serve também de apoio para a elaboração de todos os trabalhos científicos internos.
Foi visível ao longo da sua apresentação que há uma grande necessidade do conhecimento da área que está sendo pesquisada, para melhor elaboração dos instrumentos de recolha de dados e posterior análise e interpretação.















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Digneffe, F.; Alberello, L.; Hiernaux & Jean, P.M,  (1997). Práticas e Métodos de
     Investigação em  Ciências Sociais – Trajectos. Lisboa: Gradiva – Publicações.
Gil, A.C. (1999). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social (5ª ed.). São Paulo: Editora Atlas.
Gil, A.C. (2008). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social (6ª ed.). São Paulo: Editora Atlas.
Laville, C & Dionne J. (1999). A Construção do Saber – Manual de Metodologia da
    Pesquisa  em Ciências Humanas, Porto Alegre, Belo Horizonte: Editora UFMG.
Matusse, O. M. (2013). Manual de Metodologia de Investigação Científica: para a
     Elaboração de Monografias Escolares e outros tipos de pesquisas Científicas. (4ª ed.).
    Maputo – ISMMA.
Richardson, R.J. (2009). Pesquisa Social: Métodos e Técnicas (4ª ed.). São Paulo: Editora  
    Atlas S.a.